Professores da educação infantil não estão atentos às necessidades individuais dos alunos, o que prejudica qualidade de ensino
Tamyris Amaral
Da Secretaria de Comunicação da UnB
Ouvir um aluno com atenção deveria ser natural ao trabalho de qualquer professor, especialmente daquele que ensina crianças pequenas. Mas a realidade em sala de aula é bem distante disso. Pesquisa realizada por aluna do mestrado da Faculdade de Educação mostra que os professores da educação infantil não são formados para dar atenção adequada a cada um dos alunos. Mas essa sensibilidade é essencial para identificar os anseios dos estudantes e aumentar a qualidade de ensino.
Leonília de Souza Nunes, autora do estudo Escuta Sensível do professor: uma dimensão da qualidade da educação infantil, propõe na dissertação defendida em novembro que os futuros educadores tenham uma nova postura em sala de aula: a da escuta sensível. O conceito, estudado em outras áreas do conhecimento como a Psicologia, ainda não faz parte do currículo dos cursos de Pedagogia no Brasil.
A ideia é mostrar ao universitário que é possível sim e, acima de tudo, é essencial ter sensibilidade com as crianças, dar atenção exclusiva a cada uma delas e manter o diálogo permanente em sala. “Se o professor tem sensibilidade para ouvir a criança e respeitar a sua individualidade, ele pratica a escuta sensível e é capaz de planejar suas ações de acordo com as necessidades apresentadas pelos alunos”, defende Leonília.
METODOLOGIA - A pesquisadora acompanhou, durante os meses de abril e agosto, duas professoras e 35 crianças, entre 4 e 5 anos de idade, em um centro municipal de educação infantil de Palmas, Tocantins. Nesse período, Leonília teve acesso aos planos de aula, trabalhos e regimentos da escola. A expectativa era encontrar um ambiente acolhedor nos colégios.
Mas, em muitos momentos, percebeu claramente o distanciamento das professoras em relação às crianças e a utilização de métodos nada construtivos para “educar” os alunos. Ela conta que uma das professoras dava desenhos de carinhas pretas para os desobedientes e carinhas amarelas para os comportados. “Essa atitude gera preconceito. A criança pode imaginar que, se o outro é negro, não é boa coisa”, critica.
Na observação dos métodos pedagógicos dos educadores, a pesquisadora identificou que os professores não conseguiam perceber, nas brincadeiras ou no silêncio das crianças, como as necessidades e os medos interferiam na formação deles. “A principal consequência é a insegurança. Algumas crianças tinham pavor de ir à escola. Outras, dificuldade de aprender o conteúdo. Essa sequela elas carregarão para o futuro. Pode abalar a autoestima da criança e a própria individualidade”, reflete.
FORA DOS CURRÍCULOS - Para Fátima Guerra, orientadora de Leonília, a pesquisa apresenta uma nova perspectiva para o professor no Brasil, principalmente os do ensino infantil. “Existem algumas ações isoladas, mas a escuta sensível não faz parte da cultura de formação do educador. Se você observar o currículo da Pedagogia, não vai encontrar nenhuma disciplina que trabalhe o assunto. Isso leva o professor a ter dificuldade de ouvir e de manter diálogos com as crianças”, explica a professora da Faculdade de Educação.
Com 22 anos de carreira docente, 16 deles dedicados à educação infantil, Leonília conta que sempre se preocupou em ouvir os alunos, mesmo em salas com até 35 crianças. “Já trabalhei em escolas particulares e públicas. Escolas que ficavam na periferia, onde os alunos chegavam com a roupinha rasgada. Trabalhei com alunos com diferentes deficiências. Essa experiência contribuiu muito para que eu desenvolvesse uma escuta sensível”, relata, justificando o interesse no assunto.
Leonília defende a ideia de que a dar atenção a cada aluno, mesmo em salas cheias, não é uma utopia. “No Brasil, existem professores que atravessam a nado um rio para dar aula. Alunos que estudam debaixo de árvores. Mesmo com todas as condições desfavoráveis, as crianças têm um excelente desenvolvimento de leitura, raciocínio lógico e matemático. Aí está a sensibilidade do professor. Se eu não tivesse trabalhado em sala de aula, diria que era um trabalho utópico”, ressalta.
Ela apresentará o resultado da pesquisa, em janeiro, a 500 professores da educação infantil de Palmas. Com eles, ela discutirá o conceito de escuta sensível. Também apresentará os quatro indicativos de qualidade que considera fundamentais para a educação: empatia, sensibilidade, diálogo e espelhamento de sentimento. Características que os professores que sabem ouvir com atenção seus alunos conseguem desenvolver. A pesquisadora ainda vai desenvolver um curso para trabalhar a escuta sensível com os professores dos municípios de Araguaina e Gurupi, em Tocantins.
Com a pesquisadora Leonília Nunes por email: leonilia.sn@gmail.com.
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